Após elaborar um quadro com as subdivisões da filosofia, a partir de suas quatro divisões primárias, a saber: teórica, prática, mecânica e lógica, Hugo de São Vítor revela-nos algo fundamental. Com efeito, revela-nos que os antigos perceberam que de todas as artes subordinadas à filosofia, apenas sete deveriam ser estudadas com afinco, e que o domínio destas sete artes facilitaria o aprendizado das demais. Para aprender as demais artes, ser-lhe-ia necessário tão-somente a prática sob a tutela de um mestre naquela arte, e isto seria muito mais proveitoso do que despender horas e mais horas na escuta de aulas acerca daquelas artes. Estabeleceu-se, então, que todo plano de estudos deveria ter como prioridade estas sete artes, que seriam posteriormente divididas no Trivium e no Quadrivium.
Estas artes, de acordo com Hugo de São Vítor, "se constituem como os instrumentos e princípio mais excelentes pelos quais se prepara ao espírito a via para se alcançar o pleno conhecimento da verdade filosófica" (DIDASCALICON, p.127), ou seja, as sete artes - chamadas liberais - abrem o caminho pelo qual o espírito trilhará para chegar, finalmente, à Sabedoria - a que Hugo define como Logos divino, isto é, como a segunda pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo. Atente-se, pois, para o fato de que a Verdade não é uma coisa, mas alguém.
Ainda de acordo com Hugo, na obra Didascalicon, não eram dignos de receber o nome de mestre aqueles que não tivessem plena ciência destas sete artes, a saber: gramática, lógica, retórica, que constituem o Trivium; aritmética, geometria, música e astronomia, que constituem o Quadrivium. Era, pois, mister que se soubesse estas ciências e seus princípios de cabo a rabo. E, aqui, conta-se uma história inusitada sobre Pitágoras - cuja veracidade não sou capaz de julgar; mas, se não é verdadeira, é, no mínimo, verossímil e, em todo caso, útil. Pitágoras havia estabelecido que nenhum de seus discípulos poderia sequer ousar perguntar as razões daquilo que ele lhes ensinava, pois deveriam dar sua confiança ao mestre. Eles só poderiam fazer perguntas após passados sete anos - em conformidade com o número das artes liberais; no entanto - note-se -, passados sete anos, os discípulos já seriam capazes de, por eles mesmos, empreenderem suas investigações a fim de sanar suas dúvidas.
Conta-se também que "alguns estudavam estas sete artes com tanto empenho que as tinham todas bem claras na memória, de modo que, independentemente dos textos que tivessem em mãos ou das questões que lhes fossem propostas para serem resolvidas ou comprovadas, eles não precisavam buscar nos livros os princípios e regras para chegarem à conclusão do que estava em discussão; na verdade, a partir das sete artes liberais eles tinham já preparadas em seu íntimo as soluções para cada caso" (ibdem, p.127). Em verdade, creio que este trecho prescinda de explicação. Portanto, prossigamos.
Hugo de São Vítor atribui a isto o fato de ter havido tantos sábios na antiguidade: por terem se dedicado com ardor ao conhecimento das sete artes liberais que, já foi dito, abrem o caminho pelo qual o espírito virá a trilhar a fim de de alcançar a verdade. Ademais, estes sábios antigos escreveram mais livros do que somos capazes de ler; deve haver, então, alguma razão especial para tal, e talvez seja precisamente a supracitada. Para nossa infelicidade, já no tempo de Hugo de São Vítor os alunos não conseguiam manter aquele nível de aprendizado que outrora era tão comum entre os estudantes. Assegura-nos, em sua obra, que "encontramos hoje muitos estudantes e poucos sábios" (p.129). E por que isto se dá? Porque, em primeiro lugar, os estudantes ou não querem saber como manter este nível de aprendizagem, ou simplesmente não o sabem. Nalguns casos, a situação ainda agrava-se mais: há quem despenda esforços hercúleos no aprendizado de coisas inúteis - e este está em situação adversa. Como afirma o próprio Hugo, "é ruim ser negligente com uma coisa boa, mas é pior despender muitos esforços em uma coisa vã" (p.129).
No mais das vezes, nós, jovens, caminhamos por trilhas as quais desconhecemos, e, além de não os conhecer, são-nos demasiados escuros. Estamos, não raro, como que perdidos numa floresta imensa na qual nunca antes havíamos pisado; como quem acordou e não tem a menor ideia de onde está. O mundo parece-nos cada vez mais caótico, e a trilha que nos conduz à verdade parece-nos cada vez mais confusa. Há tantos livros, tantos cursos, tanto material disponível, tantas informações que não sabemos por onde começar, nem como começar. Como se já não bastasse esta confusão primeira, há ainda a confusão acerca da finalidade para a qual estudamos: para que nos dedicaremos por toda a nossa vida aos livros? Ora, deve haver alguma finalidade nobre, e esta é - muito embora queiram-nos confundir quanto a isto - a verdade. O objeto da ciência verdadeira é a verdade, e tudo que ultrapassa isso é de procedência maligna, para utilizar uma expressão bíblica.
A filosofia não visa o prestígio social, não visa nos conferir um bom emprego, etc., mas ensinar-nos a viver plenamente: a tornarmo-nos pessoas de verdade. A filosofia é, antes de tudo, um modo de vida - como muito bem aponta Julian Marías na introdução de sua História da Filosofia. A filosofia é, com efeito, um conhecimento que se realiza na vida, e uma filosofia que não pode ser vivida não é uma filosofia - ou é, no máximo, uma aparência de filosofia. Em verdade, uma filosofia impossível de ser vivida é como a sofística: uma sabedoria aparente, mas não real, porque a sabedoria se realiza na vida.
Por conseguinte, o que quero apontar, com isto tudo, é o seguinte: busquem um orientador espiritual - e aqui não utilizo o termo em sentido religioso, mas é válido também para este - e siga os conselhos que ele lhes der. Por quê? Porque ele, mais do que você, conhece os caminhos que conduzem à verdade; se não os conhece plenamente, ao menos os conhece melhor do que você. Enquanto, para você, este caminho é constituído de trevas infindáveis, de névoas impenetráveis, para ele é tudo muito nítido, como quem saiu da caverna há tempos e já acostumou-se com a luz do sol. Ninguém, por mais longe que tenha chegado a sua visão, pode vislumbrar a verdade por completa, mas uns já a enxergaram mais do que outros, e o papel do mestre é precisamente lhe mostrar o caminho. Quando lhe for revelado o caminho a que você deve seguir, siga-o. Ninguém pode trilhá-lo por você, mas você precisa de alguém para lhe mostrar tal caminho.
Como escolher este orientador? Bem, os sábios e os santos estão à nossa disposição, e podemos nos dedicar ao estudo de sua obra. Caso, porém, você conheça alguém em quem possa confiar, confie nesta pessoa. Não é possível dar orientações precisas sobre quem escolher, mas há um único critério ao qual devemos firmemente nos ater, que para mim é suficiente: consiste em saber se o objetivo máximo desta pessoa a que pretendemos nos submeter é a verdade. Se ele ama a verdade e daria sua vida por ela; se ele vive em conformidade com aquilo que a verdade lhe diz, então é confiável. De acordo com Sertillanges, "a verdade só serve a seus escravos" e "só se doa a quem se entrega a ela por inteiro". Com efeito, um pensador é um filho da ideia, um filho da verdade, e não de si mesmo, e deve submeter-se sempre àquilo que a verdade dita, porque, como afirma Santo Tomás de Aquino, a verdade é a adequação do intelecto à realidade.
Ademais, saber a direção a que devemos seguir previne-nos de frustrações terríveis, de perdas irreparáveis de tempo, e nos conduz à verdade com mais rapidez e, de certo modo, mais segurança. Por que perder tempo lendo livros ruins, quando podemos ler, de início, livros geniais? Por que ler, por exemplo, a História da Filosofia Ocidental do Bertrand Russel - eu infelizmente li esta porcaria - quando podemos ler a História da Filosofia do Giovanni Reale, ou a História da Filosofia do Julian Marías, ou a do Copleston? Por que ser "convidado à filosofia" pela doutora que dirige seu ódio à sua própria classe - sim, dona Marilena Chauí - quando podemos ler o Convite à Filosofia do Enrico Berti, ou a Introdução à Filosofia do Julian Marías, ou o Curso de Filosofia do Régis Jolivet? Pois bem, é para não ter de passar por estas desgraças e ser direcionado imediatamente para os bons livros e manuais que nos submetemos a um orientador - seja ele presente, vivo, ou morto, mas imortalizado por sua obra.
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